(1) A co-laboraÇÃo na/em Rede (5) CooperaÇÃo e co-laboraÇÃo
(2) Fundamentos histÓrico-culturais (6) A co-laboraÃo de/em programas livres
(3) Desafios contemporÂneos (7) Interfaces otimizadoras
(4) Co-laborando o aprendizado autÔnomo (8) Co-laborando um texto À seis mÃos
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(3) Desafios contemporâneos à pedagogia da co-laboração na/em Rede

A prática educativa não começa do zero: quem quiser modificá-la tem de apanhar o processo 'em andamento.' [1] (SACRISTÁN).

A prática pedagógica, quando mediada pelas TIC, altera a função educacional do professor e a sua compreensão do contexto educativo - o qual é necessariamente (in)formado por diversas outras práticas cotidianas (política, ética, econômica etc). Essas práticas orientam e deflagram as ações dos professores e imprimem significados à vida profissional dos docentes. Em suas práticas pedagógicas os profissionais da educação representam, consciente ou inconscientemente, divergências e/ou convergências para com as mudanças macro e microcontextuais.

Os mecanismos subjacentes às suas representações sociais são intensamente penetrados pelos interesses, ideologias, dilemas, conhecimentos, crenças, persuasões e outros vários fatores. Estes mecanismos produzem portanto saberes que legitimam as práticas no/do contexto sociocultural no qual os professores se encontram aconchegados - e com o qual interagem ativamente. Por sua vez, dialeticamente, o contexto sociocultural de que são parte proporciona - e legitima - a sua co-laboração insubstituível e pessoal de valores e sentidos.

Assim, sua intervenção pedagógica é influenciada - e influencia - o modo como os professores pensam e agem diante das múltiplas possibilidades de desenvolvimento da sua atuação na escola e fora dela. [2] (SACRISTÁN) Ou seja, a unicidade teoria-prática revela-se plenamente em sua práxis profissional.

Alguns obstáculos que se interpõem à prática pedagógica do professor podem ser: (1) o ensino é interpretado como uma atividade seletiva; (2) o contexto organizacional desse ensino faz com que os professores desenvolvam trabalhos individuais e não coletivos; (3) as lógicas de socialização profissional não acontecem em momentos apropriados ao desenvolvimento de atitudes reflexivas; (4) as TIC e os materiais didáticos são gerados a partir de uma lógica hierárquica vertical, constatando-se que as supostas iniciativas co-laborativas não contemplam a horizontalidade nos/dos processos formativos dos professores.

Portanto, as TIC entram na escola como dispositivos técnicos e as práticas pedagógicas continuam pautadas em velhos paradigmas, apenas com uma diferença: retira-se a centralidade do professor transferindo-a para as TIC. Essa transferência é preocupante, sendo imprescindível discutirem-se possibilidades de inversão da lógica perversa desta hierarquia vertical dominante, para superar-se assim a "passividade" na apropriação de saberes. O ciberespaço, deste ponto de vista, precisa então ser concebido como lugar de inovação, de co-laboração social, política e de mobilidade das práticas pedagógicas. Afinal, as práticas pedagógicas desenvolvem-se em contextos muito amplos, não são unívocas nem lineares; são fluidas e levam em consideração situações muito peculiares para o estabelecimento de processos comunicativos.

Essas peculiaridades abarcam desde a exploração de diferentes linguagens - escritos, gráficos, audiovisuais, icônicos, digitais -, até o enfrentamento de problemas complexos da vida escolar que o professor, através da sua ação, deve gerir. Considerar a prática co-laborativa como potencialidade de reflexões do e para o(a) professor(a) significa compreender que as questões educacionais são também questões políticas, sociais, culturais etc. Para Gómez (GÓMES e SACRISTÁN) "a reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos," [3] ou seja, a reflexão é um conhecimento contaminado pelas contingências que permeiam a prática dos professores e suas experiências de vida.

Considerando que tanto na sociedade como na escola o(a) professor(a) encontra toda uma série de instrumentos que podem ser potencializados através da sua prática pedagógica, ele(a) - professor(a) - pode compartilhar e efetivar mudanças recorrendo à  riqueza das práticas coletivas oportunizadas pelo ciberespaço. Essas mudanças, segundo Alava, [4] exigem novos eixos norteadores de sua performance pedagógica:

um eixo que se preocupa com a midiatização tecnológica dos saberes e das ações e interações entre o sujeito e os saberes (hipertexto, interatividade, diversidade de percursos) e um eixo que visa à reconstrução das condições de uma mediação humana, vetor de interação e de construção coletiva de saberes.

Recorrer a esses eixos norteadores significa reconhecer que a mudança na educação "não depende diretamente do conhecimento, porque a prática educativa é uma prática histórica e social que não se constrói a partir de um conhecimento científico, como se tratasse de uma aplicação tecnológica." [5] (SACRISTÁN) Qualquer mudança implica a dialética conhecimento-ação. Trata-se de algo inerente a toda atividade humana - a qual interconecta-se com vários contextos onde, por sua vez, acontecem múltiplas práticas. Significa, em outras palavras, dizer que as práticas pedagógicas não são lineares, mas dinâmicas e potencializadoras do conhecimento mediado pelas TIC.

Apesar da grande proliferação de comunidades virtuais de aprendizado na/em Rede, constata-se ainda, na escolarização, a existência de resistências e dificuldades de convivência com esta modalidade de interação/comunicação mediada por computadores interconectados à Internet.

A literatura especializada costuma justificar a "recusa" de educadores e educandos em fazerem uso deste tipo de ambiente para promoção da atividade co-laborativa atribuindo-a, basicamente, a três fatores: (1) os sujeitos têm que aprender a lidar com a diferença, o que sempre é algo complexo; (2) esses ambientes solicitam posturas intelectuais autônomas e processos co-laborativos de/em grupo (algo que a escolarização tradicional tem falhado em promover); e (3) as pessoas necessitam apropriar-se dos recursos informáticos e suportes tecnológicos - o que, para muitos, é algo novo e ainda distante das suas competências econômicas e culturais.

Observa-se freqüentemente, quando se recorre ao uso escolar destas comunidades virtuais de aprendizado (CVA), uma nítida emergência dos fatores acima explicitados. Isso provavelmente em razão de uma cultura "conteudística" e de uma concepção "instrucionista" hegemônicas na/da escolarização, entendida no caso exclusivamente como processo de transmissão de conhecimentos "prontos" - algo que se encontra fortemente enraizado no imaginário coletivo - e quase sempre de maneira inconsciente - em grande parte de alunos, pais e professores.

Apesar dos discursos co-laboracionistas renovadores e dos avanços pedagógicos já alcançados pelo desenvolvimento de novas práticas de ensino-aprendizado com o uso das TIC, a atividade co-laborativa permanece sendo um desafio à educação formal em e-coletivos.

Lourau [6] (1975) e Lapassade [7] (1989) fazem análises sobre as práticas institucionalizadas, [8] destacando que elas representam um pensar complexo. Podemos entender que a complexidade social das práticas educacionais institucionalizadas mediadas pelas TIC pressupõe relacioná-las aos saberes educacionais - que enredam obrigatoriamente, em uma mesma e intricada trama, tanto os saberes formais como os saberes informais. Dito de outro modo, é só do confronto entre as dimensões formal e informal da Educação que podem emergir e se concretizarem práticas instituintes potencializadoras do aprendizado on-line e da atividade co-laborativa.

Castoriadis [9] (1982) enfatiza que o imaginário social instituinte pode criar uma forma de democracia na qual seja possível o exercício da autonomia individual e coletiva. Assim, nos processos de aprendizado é possível constatar o instituído e o instituinte : instituído é tudo o que se sabe e se conhece; instituinte é o novo, aquilo que se manifesta às vezes com dificuldade, mas que ainda assim é capaz de inserir-se nas práticas instituídas.

A atividade pedagógica mediada pelas redes digitais proporciona então a criação de novas práticas instituintes. Mas, embora a atividade pedagógica instituinte tenha raízes nas práticas educacionais já institucionalizadas, ao mesmo tempo, contraditoriamente, apresenta-se como desafio ao status quo . Um desafio que converte-se em movimento instituinte por solicitar dos agentes pedagógicos  a transgressão do movimento "linear" de ensinar e aprender, ou seja, por gerar a necessidade de mudança nas práticas pedagógicas.

A educação on-line baseada no aprendizado co-laborativo - que toma o aluno como eixo das intervenções pedagógicas, responsabilizando-o por seu próprio aprendizado - revela existir uma grande dificuldade por parte dos aprendizes em sustentarem, ao longo do tempo de duração dos cursos, o seu desejo de saberem mais e melhor como "aprender a aprender" [10] Promover o auto-aprendizado e portanto o pensamento crítico do sujeito - no sentido de fazê-lo ir além do senso comum - tem ocasionado, com alguma freqüência, a emergência de uma nova categoria "estatística" nos processos formais de EaD: os "evadidos on-line."

É importante ressaltar também que as dificuldades para a implementação do auto-aprendizado assinaladas aqui não dizem respeito apenas às comunidades telemáticas (CVA). Elas existem e persistem no cotidiano das relações pedagógicas presenciais, seja nos espaços de ensino-aprendizado formais, isto é, no âmbito das organizações educacionais, seja em diferentes espaços de aprendizado - como a rua, por exemplo.